03/05/10

Professor: Assim Não!

Todos tivemos um(a) professor(a) que jamais esquecemos porque nos marcou de forma positiva ou negativa, para o resto do curso, ou mesmo da vida. Eu só comecei a gostar de matemática, na Faculdade, e foi necessário rever algumas matérias (por minha iniciativa) nos livros do Liceu (Ginásio como se diz no Brasil), para obter as bases necessárias. Felizmente resultou . É que na Faculdade tive a sorte de ter um professor excepcional e com uma capacidade enorme de motivar os alunos.

Outro exemplo foi a minha paixão pela disciplina de Português, (principalmente Literatura), justamente porque tive um professor, que gostava do que ensinava e nos transmitiu esse gosto. Lembro-me de que ele organizava visitas às casas de escritores (clássicos da nossa literatura), para que pudéssemos sentir o ambiente em que eles viveram.

Embora o ambiente familiar tenha muita influência nas escolhas que um adolescente faz, sem dúvida que os professores podem aumentar ou aniquilar o interesse que o aluno pode ter por uma determinada área.

O meu pai dizia que passou a detestar a disciplina de Mineralogia porque teve um professor que nunca deveria ter seguido a carreira docente. Era um verdadeiro terror e parece que tinha um prazer sádico em manter essa fama. A história desta aversão pela Mineralogia foi ouvida em nossa casa tantas vezes, que ainda hoje sou capaz de a reproduzir.

Segundo nos contava o meu pai, o professor administrava aquela disciplina do seguinte modo: A entrada era às 8 horas da manhã, não havia qualquer tolerância. Quem chegasse depois dessa hora, um minuto que fosse, já não podia entrar na sala.

As aulas eram áridas e ele queria que os alunos decorassem a totalidade da matéria, que ele seguia escrupulosamente pelo livro de que era o autor.

Os testes de fim dos períodos eram conduzidos de forma inacreditável. Distribuía um papel com as perguntas e em seguida citava as regras, num tom monocórdico: Os senhores têm 20 minutos para fazer o teste, e quem concluir em 15 minutos ou menos, tem mais um ponto (valor), qualquer fraude ou tentativa de fraude é punida com a expulsão da sala e o teste do aluno é considerado nulo.

Colocava o relógio sobre a sua mesa e dizia: podem começar! O nervosismo a que a turma estava sujeita, já era muito, mas dizia o meu pai, que a partir do décimo minuto ficava insuportável. O tal professor começava a dizer em voz alta: para os 15 minutos faltam 5 minutos, faltam 4, faltam 3 faltam 2, falta 1,acabou! E os 5 minutos seguintes, eram ainda mais dramáticos, ele anunciava que faltavam 5 minutos para o fim do teste, e ia contando em escala decrescente os minutos que faltavam, até ao terminou! E rapidamente ia recolher os testes.

Não é difícil imaginar o estado de tensão que deve provocar, num teste de tão curta duração, o docente durante metade do tempo e de minuto em minuto, em voz alta, perturbar a turma com aquela lengalenga.
Na correcção dos testes, ele considerava errado tudo o que estivesse diferente do livro, e como a matéria só por si era difícil, ter que decorá-la era quase impossível.

Quando as notas eram afixadas no átrio a curiosidade era geral e não só dos alunos directamente interessados. Dizia o meu pai que os resultados eram sempre do tipo: oito alunos tinham nota zero, sete tinham nota 2, cinco com nota 3, três com nota 4 e um com nota 6. Este professor dava as aulas teóricas e a salvação estava nas aulas práticas cujo professor era a antítese do outro. Dava notas altas, normalmente entre 15 e 18, salvando alguns da reprovação. Convém aqui esclarecer que as notas em Portugal vão de zero a vinte.

Eu achei estranho que os testes só tivessem a duração de 20 minutos, mas o meu pai, na altura esclareceu que, o professor sabia que era o tempo suficiente para que um aluno suficientemente louco, com memória de elefante, e que tivesse decorado a matéria, concluísse o teste.

Todos os alunos que passaram por aquela disciplina sentiram-se revoltados com o sistema , mas nunca ninguém protestou. Até que em 1953, um aluno mais corajoso revoltou-se e em plena aula, defrontou o professor que esteve à beira de “cair redondo” ali mesmo.

Talvez seja oportuno esclarecer que naquela época os professores tinham tal autoridade, que os alunos se punham de pé em atitude de respeito, quando eles entravam. Era impensável confrontar um professor do modo que aquele aluno terá feito.

Contou-nos o meu pai, que o professor, na aula seguinte anunciou à turma que no exame final ele não iria corrigir a prova escrita desse aluno nem o interrogaria na prova oral. Tudo isso foi feito por outro docente. Tomou essa decisão para que ninguém pudesse acusá-lo de ter prejudicado o aluno revoltado.

O aluno passou de ano e nesses exames os examinadores (esse professor incluído) foram bastante benevolentes. Apesar de tudo eles reconheceram que o aluno tinha razão.

Actualmente é fácil protestar junto do professor quando os alunos entendem que estão sendo prejudicados, mas naquele tempo as coisas não eram assim.

Será que com o espírito de liberdade que predomina na época actual alguém suportava este professor?

Até à próxima.

6 comentários:

  1. Concordo com vc, ate hoje lembro da minha professora de biologia sempre ensinando a mais do que o currículo escolar pedia. Minha primeira prefessora, aquela que me ensinou aler e escrever, nunca mais esqueci. Infelizmente os mestres de hoje, principalmente no ensino público, não são mais motivados a ensinar, cumpre a carga horária e pronto. Claro sempre temos alguns anjos perdidos no meio. Bjsss, ótimo blog, estou seguindo.

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  2. Olá Marcia!

    É verdade, ainda existem alguns óptimos professores, muito dedicados e gostando do que fazem.

    Mas como nestes útimos anos eles têm estado envolvidos em tamanha confusão...que é difícil arranjar tempo para ensinar.

    Agradeço a sua visita e comentário. Gostei do seu blog e até me inscrevi no seu Feed RSS,para saber quando você escreve um novo artigo!

    Um abraço.

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  3. Não tenho qualquer dúvida que os profs do meu tempo foram determinante na minha escolha. Pelo ambiente familiar deveria andar pela barra dos tribunais.

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  4. Acontece muito que os filhos sejam influenciados, de modo a seguir a carreira de um dos progenitores. Nem sempre dá certo.

    Penso que os professores têm mais elementos para avaliar o talento dos seus alunos, e quase sempre acertam! Foi o caso, não foi?

    Agradeço a visita e o comentário também.

    Um abraço!

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  5. Credo, hoje em dia um professor desse naipe seria demitido no Brasil, os alunos o poriam pra fora da instituição. Na minha faculdade, fizemos isso três vezes.

    Pelo seu relato o professor se sentia um deus, por ter livro publicado e usá-lo em sala de aula. Isso lhe conferia uma certa arrogância.

    Tive excelentes professores pela vida. No ginásio, colegial e faculdade. Trago comigo seus ensinamentos até hoje.

    Não se ensina uma pessoa a lecionar, ela já nasce com o dom, penso eu.

    Abraços

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  6. Isto passou-se no tempo da ditadura, mas parece que mesmo naquele tempo não havia um professor daquele calibre.

    Abraços

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