20/05/10

Palavras Bonitas? Conheça Quem As Diz!


Quando eu era criança, numa época em que morei durante um ano em casa de uns tios, havia um rapaz que namorava com a minha prima (filha dos donos da casa), ele tinha uma maneira de falar que despertava a minha admiração. Salpicava a conversa com alguns advérbios de modo, daqueles que acabam em "mente" como por exemplo: extremamente, efectivamente, provavelmente, entre outros.

Aquilo para os meus ouvidos era música celestial, porque eu gostava de ouvir aquelas palavras, e quando ele chegava eu aproximava-me dos namorados (muitas vezes enxotavam-me), mas arranjava maneira de ficar por perto, fingindo brincar, só para ouvi-lo falar. Não conhecia ninguém que se expressasse com tamanha elegância de vocabulário. O meu desejo era falar assim, quando crescesse.

Depois o tal rapaz casou com a minha prima, foram viver para outra cidade, eu já vivia com os meus pais e passaram anos sem que os voltasse a ver. Até que um dia o meu pai, anunciou que íamos ter novos vizinhos, que eram, nem mais nem menos, os meus primos.

Eu já com 14 anos adorei a notícia, porque ia novamente conviver com a minha querida prima e com aquele primo que falava tão bem. Ia ser mesmo bom!

Mas foi uma grande desilusão. Não a minha prima, que essa continuava bonita e alegre como dantes, mas ele, já não me entusiasmou. Continuava usando e abusando daquela mesmíssima linguagem dos efectivamente e dos extremamente, mas não passava disso.

Não demorou nada para que eu me apercebesse da pobreza da conversa. Além disso, era uma pessoa muito pouco informada, porque não tinha interesse por quase nada.

Lembro-me quando uma vez os dois filhos deles estavam vendo desenhos animados na TV e ele disse: “Não sei que graça é que vocês acham a isso!” Não era pessoa capaz de ler um livro, de ver um filme, só lia uma página dos jornais: a da Necrologia, que eu achava estranho, pois ele ainda não conhecia ninguém naquela cidade! Era engraçado porque ele começava pela última página, parava na Necrologia e lia tudo. Depois fechava o jornal e pronto, estava concluída a leitura.

Veio tudo isto a propósito de uma discussão amigável que tive ontem sobre o poder das palavras. Falámos sobre o que elas são capazes: de enganar, de magoar, de seduzir, de acariciar, de convencer, de conter vários significados, de estar na moda, de desaparecer durante muito tempo, para renascer já com pequenas modificações, mostrando que ainda estão vivas.

Reflectimos sobre as pessoas que conseguem dominar bem o uso das palavras, e como elas podem ter enorme poder e usá-lo como quiser, para o bem e para o mal. Mas depende da habilidade com que são usadas, porque tanto podem ajudar-nos como atraiçoar-nos.

Quando uma palavra fere sensibilidades, basta substituí-la por outra ou por duas ou três, que já é aceite sem melindre. Certamente se lembram da polémica sobre a legalização do aborto e da mudança para a expressão mais aceitável, interrupção voluntária da gravidez. Outra expressão é o suicídio medicamente assistido ou morte medicamente assistida quando antes só se falava de eutanásia.

Em algumas profissões, como a Publicidade, por exemplo , saber jogar com as palavras é fundamental, eles usam frases curtas que dizem tudo, ao contrário dos políticos em que as frases são grandes e não dizem nada.

Eu acho que as palavras só por si mesmas têm um potencial enorme, mas é muito útil conhecer de onde elas vêm e quem as pronuncia. Só assim é possível descodificá-las e decidir o que elas realmente valem.

Até à próxima.


Créditos da Foto:sergis blog
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03/05/10

Professor: Assim Não!

Todos tivemos um(a) professor(a) que jamais esquecemos porque nos marcou de forma positiva ou negativa, para o resto do curso, ou mesmo da vida. Eu só comecei a gostar de matemática, na Faculdade, e foi necessário rever algumas matérias (por minha iniciativa) nos livros do Liceu (Ginásio como se diz no Brasil), para obter as bases necessárias. Felizmente resultou . É que na Faculdade tive a sorte de ter um professor excepcional e com uma capacidade enorme de motivar os alunos.

Outro exemplo foi a minha paixão pela disciplina de Português, (principalmente Literatura), justamente porque tive um professor, que gostava do que ensinava e nos transmitiu esse gosto. Lembro-me de que ele organizava visitas às casas de escritores (clássicos da nossa literatura), para que pudéssemos sentir o ambiente em que eles viveram.

Embora o ambiente familiar tenha muita influência nas escolhas que um adolescente faz, sem dúvida que os professores podem aumentar ou aniquilar o interesse que o aluno pode ter por uma determinada área.

O meu pai dizia que passou a detestar a disciplina de Mineralogia porque teve um professor que nunca deveria ter seguido a carreira docente. Era um verdadeiro terror e parece que tinha um prazer sádico em manter essa fama. A história desta aversão pela Mineralogia foi ouvida em nossa casa tantas vezes, que ainda hoje sou capaz de a reproduzir.

Segundo nos contava o meu pai, o professor administrava aquela disciplina do seguinte modo: A entrada era às 8 horas da manhã, não havia qualquer tolerância. Quem chegasse depois dessa hora, um minuto que fosse, já não podia entrar na sala.

As aulas eram áridas e ele queria que os alunos decorassem a totalidade da matéria, que ele seguia escrupulosamente pelo livro de que era o autor.

Os testes de fim dos períodos eram conduzidos de forma inacreditável. Distribuía um papel com as perguntas e em seguida citava as regras, num tom monocórdico: Os senhores têm 20 minutos para fazer o teste, e quem concluir em 15 minutos ou menos, tem mais um ponto (valor), qualquer fraude ou tentativa de fraude é punida com a expulsão da sala e o teste do aluno é considerado nulo.

Colocava o relógio sobre a sua mesa e dizia: podem começar! O nervosismo a que a turma estava sujeita, já era muito, mas dizia o meu pai, que a partir do décimo minuto ficava insuportável. O tal professor começava a dizer em voz alta: para os 15 minutos faltam 5 minutos, faltam 4, faltam 3 faltam 2, falta 1,acabou! E os 5 minutos seguintes, eram ainda mais dramáticos, ele anunciava que faltavam 5 minutos para o fim do teste, e ia contando em escala decrescente os minutos que faltavam, até ao terminou! E rapidamente ia recolher os testes.

Não é difícil imaginar o estado de tensão que deve provocar, num teste de tão curta duração, o docente durante metade do tempo e de minuto em minuto, em voz alta, perturbar a turma com aquela lengalenga.
Na correcção dos testes, ele considerava errado tudo o que estivesse diferente do livro, e como a matéria só por si era difícil, ter que decorá-la era quase impossível.

Quando as notas eram afixadas no átrio a curiosidade era geral e não só dos alunos directamente interessados. Dizia o meu pai que os resultados eram sempre do tipo: oito alunos tinham nota zero, sete tinham nota 2, cinco com nota 3, três com nota 4 e um com nota 6. Este professor dava as aulas teóricas e a salvação estava nas aulas práticas cujo professor era a antítese do outro. Dava notas altas, normalmente entre 15 e 18, salvando alguns da reprovação. Convém aqui esclarecer que as notas em Portugal vão de zero a vinte.

Eu achei estranho que os testes só tivessem a duração de 20 minutos, mas o meu pai, na altura esclareceu que, o professor sabia que era o tempo suficiente para que um aluno suficientemente louco, com memória de elefante, e que tivesse decorado a matéria, concluísse o teste.

Todos os alunos que passaram por aquela disciplina sentiram-se revoltados com o sistema , mas nunca ninguém protestou. Até que em 1953, um aluno mais corajoso revoltou-se e em plena aula, defrontou o professor que esteve à beira de “cair redondo” ali mesmo.

Talvez seja oportuno esclarecer que naquela época os professores tinham tal autoridade, que os alunos se punham de pé em atitude de respeito, quando eles entravam. Era impensável confrontar um professor do modo que aquele aluno terá feito.

Contou-nos o meu pai, que o professor, na aula seguinte anunciou à turma que no exame final ele não iria corrigir a prova escrita desse aluno nem o interrogaria na prova oral. Tudo isso foi feito por outro docente. Tomou essa decisão para que ninguém pudesse acusá-lo de ter prejudicado o aluno revoltado.

O aluno passou de ano e nesses exames os examinadores (esse professor incluído) foram bastante benevolentes. Apesar de tudo eles reconheceram que o aluno tinha razão.

Actualmente é fácil protestar junto do professor quando os alunos entendem que estão sendo prejudicados, mas naquele tempo as coisas não eram assim.

Será que com o espírito de liberdade que predomina na época actual alguém suportava este professor?

Até à próxima.

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