25/04/10

Quero Ser Preso!

A sala de espera de um Serviço de Urgência é um local onde tudo pode acontecer: Há os que fazem uma gritaria infernal, porque querem ir para junto do familiar doente ( só é permitido uma pessoa de cada vez), outros que numa calma aparente, andam quilómetros dentro da sala, de um lado para o outro e só param para descansar ou resolver alguns problemas básicos. Eu não me situo em nenhum destes grupos, faço pequenas digressões pelo local, para desentorpecer, e vou sentando aqui e acolá.

Mas o empolgante é que há uma grande variedade de comportamentos e alguns bem interessantes como este que presenciei:

Sentado quase ao meu lado estava um homem que me despertou curiosidade pela postura que mantinha como se quisesse ocupar pouco espaço, pernas apertadas uma contra a outra, dos joelhos aos pés, e os braços cruzados sobre o peito. Tudo isto revelava um estado de tensão. Além disso, fixava as pessoas que passavam como se esperasse alguém.

E esperava mesmo, porque quando chegou o Agente da autoridade policial, que trocou algumas palavras com o colega de turno este indicou o homem sentado, que prontamente se levantou e eu ouvi um diálogo invulgar:
- Então é o senhor que quer ser preso?
- Sou sim, senhor.
- Porquê quer ser preso? O senhor matou alguém? Fugiu de algum lado?
-Não, senhor.
-Então não posso prendê-lo!

Nesta altura tive vontade de ajudar o homem, dando-lhe algumas sugestões como, por exemplo, partir o vidro da janela mais próxima, e outras que me ocorreram com tal facilidade que eu próprio fiquei surpreendido com a minha criatividade nessa área. Mas é óbvio que preferi ficar calado.

Entretanto o homem já soltara a língua e justificava que queria ser preso porque “não gosto da comida que eles me dão”. Então eu percebi que ele vinha de um hospital psiquiátrico, e escapulira-se durante o recreio.

O Agente da Polícia sabia desde o princípio pois, provavelmente, tinha sido informado pelo colega. Essa foi a conclusão a que cheguei porque ele acabou a conversa dizendo que ia transportá-lo ao local de onde ele tinha vindo. Gostei da atitude.

E o homem cuja prioridade era uma alimentação de que gostasse, mesmo em troca da privação da sua liberdade, ficou tranquilamente à espera que o viessem buscar.Não conseguiu ser preso, mas encontrou alguém que lhe deu atenção e escutou o que ele tinha para dizer.E isso bastou, porque a sua postura corporal mudou radicalmente.

Até breve.

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20/04/10

Serviço de Urgência: Onze Horas à Espera!

No Domingo, eu tinha planeado ir a Aveiro, passar o dia com os meus familiares que lá vivem e regressar ao fim da tarde, porque precisava descontrair, depois de uma semana de muito trabalho.

Em vez disso passei onze horas e meia no Serviço de Urgência dum Hospital aqui do Porto. Diz o povo que “o Homem põe e Deus dispõe” e foi isso que sucedeu!

Eram cinco horas da manhã, quando uma das minhas filhas nos veio acordar, dizendo que a avó tinha caído pelas escadas a baixo. Convém aqui dizer, que a minha mãe sofre de doença de Alzheimer há vários anos, mas ainda possuí autonomia suficiente para tomar as refeições junto conosco e utilizar os sanitários,sem precisar de ajuda. Durante a noite era habitual, levantar-se e ir à casa de banho, depois voltava para a cama deitava-se e adormecia tranquilamente. Esta era a rotina.

Mas pelas 5 horas da manhã de domingo,tudo mudou. Provavelmente ao pretender utilizar a sanita, deve ter tido um momento de confusão e foi para o lado oposto, onde ficam as escadas( a porta dos sanitários está a 30 cm da porta do seu quarto, as escadas ficam a 3 metros de distância).

Apesar de fazer uso dos sanitários há 5 anos, sem qualquer problema, ontem deve ter feito uma tentativa de descer as escadas no escuro e caiu. Eu e a minha mulher dormíamos tão profundamente que nada ouvimos.

Chamamos o 112 e às 5,50 horas estávamos num Serviço de Urgência, Durante a primeira metade da manhã fez radiografias um TAC e análises de sangue e levou não sei quantos pontos numa ferida, na cabeça. Às dez o médico disse-nos que não havia fracturas de ossos e que agora precisava ser observada pelo neurologista.

Foi nesse preciso momento que entramos no “país do terceiro mundo”. Pacientemente esperámos mais 2 horas e reclamámos a demora. A justificação era que havia um problema com o sistema informático, mas penso que o verdadeira dificuldade era a ausência do neurologista.

Enquanto esse médico não apareceu, a minha mãe, que se queixava de dores intensas, não tomou qualquer analgésico, nem se alimentou porque poderia ter que fazer outros exames, se o neurologista assim entendesse.

No entanto, só cerca das 16,45 a doente foi observada pelo médico que lhe deu alta e só nessa ocasião ela pôde tomar analgésicos e comer algumas bolachas com chá. Saímos do Hospital às 17,30.

No fim do dia estávamos extremamente fatigados e a doente era quem se apresentava com melhor disposição devido ao efeito dos analgésicos.

Não acredito na história da avaria do sistema informático, e tenho dificuldade em perceber o motivo pelo qual a doente só foi observada pelo médico neurologista quase 11 horas depois de ter dado entrada. É assim que está o nosso Serviço Nacional de Saúde.

Há uns meses atrás vi uma notícia que dava conta de que (estou a citar de memória) o Sábado e o Domingo são os dias em que há mais falecimentos nos Serviços de Urgência e tal seria causado pelo facto de haver menos médicos nesses dias. Serão poucos, mas se dos poucos que estiverem escalados, eventualmente, um ou outro possa não estar de “corpo presente”, ainda passam a ser menos.

O caso da minha mãe, felizmente não era de morte, mas estar onze horas e trinta minutos num hospital à espera de um sistema informático que funcione ou de um neurologista que apareça para avaliar se o estado da doente era ou não grave, francamente, é surrealista.

Enquanto esperava, lembrei-me do artigo que o Yúri escreveu no seu Simples Assim,
novo-codigo-de-etica-medico-sera-que

Bem, como agora o pior deve ter passado, o melhor será nunca mais precisar dos Serviços de Urgência, e nos fins de semana então nem pensar!

Alguém já precisou dum Serviço de Urgência? Se precisou conte-nos a sua experiência.

Até breve.



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03/04/10

O Chico Esperto

Quem já não tropeçou, ao longo da vida, num Chico Esperto? Essa figura aparece em toda a parte: Na Faculdade, na Fila de espera, na Empresa, em qualquer lugar, lá está o sujeito procurando tirar vantagens das mais diversas situações.

NA FACULDADE

É aquele aluno simpático e bem-humorado,que não tem amizade por ninguém mas que se dá bem com todos. Estudar as matérias não é com ele. Prefere copiar, e o seu objectivo desde os primeiros dias de aulas é descobrir um colega bom aluno, que esteja disposto a deixá-lo copiar nos dias dos testes.

E no dia da prova, ele vai estar no lugar mais próximo da "vítima" para poder copiar.O problema é quando aparece um outro Chico Esperto: Uma vez toda a turma presenciou uma disputa por causa do melhor lugar, com ameaças de "lá fora a gente conversa".

NA FILA DE ESPERA

Ele ultrapassa toda a gente e chega junto ao que está na cabeça da fila e diz que só quer fazer uma perguntinha rápida no balcão. Quando sai, ouve alguns protestos dos que esperam na fila, mas ele é descarado e o que lhe interessa é que já resolveu o seu problema.

NA EMPRESA

Aqui é mais grave e às vezes prejudica os colegas de trabalho. O seu objectivo é atingir na hierarquia, o posto mais elevado que lhe for possível. Quem pretender subir de posto pelo mérito, que se cuide porque os métodos do Chico Esperto são modernos e actualmente, mais apreciados. Ele sabe usar a lisonja como ninguém e é hábil a descobrir com quem funciona.

O Chico Esperto geralmente não é trabalhador nem competente, mas tem outras características que causam muito efeito. Fala bem e esbanja simpatia e está sempre disponível para um coffee break ou almoços onde ele possa saber novidades e, em dia de sorte, "apanhar" qualquer notícia importante.

Depois de descobrir alguma coisa que lhe interessa, é rápido a actuar e usa da maior discrição. Nesta fase é um especialista em não dar nas vistas.

Ele é cativante com as pessoas que lhe possam ser úteis e para o conseguir utiliza qualquer meio. Como "trabalha" bastante nestas campanhas de descobertas e conquistas, acaba por quase nunca estar onde devia estar, ou seja, no seu lugar de trabalho.

Mas isso é um detalhe que ele resolve com facilidade: aquele que eu conheci, trazia de vez em quando,uns croissants e outros produtos de confeitaria, que oferecia às pessoas que trabalhavam com ele. Desse modo, sempre que alguém perguntava por ele, recebia invariavelmente uma boa explicação para a sua ausência.

E assim vai fazendo dos outros, seus cúmplices, sem que estes se apercebam. Esta maneira de ser também lhe traz dissabores que ele ultrapassa, mostrando-se muito ofendido, negando, falando da transparência que usa,e arruma o assunto dizendo que tudo o que faz é no interesse da empresa.

Eu conheci um Chico Esperto (como lhe chamavam), lá na Empresa onde trabalhei em início de carreira. Nunca me prejudicou porque pertencíamos a secções diferentes, e até nos dávamos bem e algumas vezes rimos das maneiras dele.

Pois esse rapaz, três anos mais tarde, já ocupava um importante lugar na hierarquia do grupo a que a empresa pertencia. Dizem que foi uma nomeação por confiança política, mas a curiosidade é que ninguém lhe conhecia qualquer preferência partidária.Nunca vi aquela alma discutir política.

Inclino-me mais para a "teoria" de que o Chico Esperto, não é amigo de ninguém, e só abrirá uma excepção para quem lhe der algo de importante em troca. E parafraseando o poeta:"esse amor será eterno enquanto durar".

Você já conheceu alguém com estas características ?

Até à próxima

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