
Quando eu era criança, numa época em que morei durante um ano em casa de uns tios, havia um rapaz que namorava com a minha prima (filha dos donos da casa), ele tinha uma maneira de falar que despertava a minha admiração. Salpicava a conversa com alguns advérbios de modo, daqueles que acabam em "mente" como por exemplo: extremamente, efectivamente, provavelmente, entre outros.
Aquilo para os meus ouvidos era música celestial, porque eu gostava de ouvir aquelas palavras, e quando ele chegava eu aproximava-me dos namorados (muitas vezes enxotavam-me), mas arranjava maneira de ficar por perto, fingindo brincar, só para ouvi-lo falar. Não conhecia ninguém que se expressasse com tamanha elegância de vocabulário. O meu desejo era falar assim, quando crescesse.
Depois o tal rapaz casou com a minha prima, foram viver para outra cidade, eu já vivia com os meus pais e passaram anos sem que os voltasse a ver. Até que um dia o meu pai, anunciou que íamos ter novos vizinhos, que eram, nem mais nem menos, os meus primos.
Eu já com 14 anos adorei a notícia, porque ia novamente conviver com a minha querida prima e com aquele primo que falava tão bem. Ia ser mesmo bom!
Mas foi uma grande desilusão. Não a minha prima, que essa continuava bonita e alegre como dantes, mas ele, já não me entusiasmou. Continuava usando e abusando daquela mesmíssima linguagem dos efectivamente e dos extremamente, mas não passava disso.
Não demorou nada para que eu me apercebesse da pobreza da conversa. Além disso, era uma pessoa muito pouco informada, porque não tinha interesse por quase nada.
Lembro-me quando uma vez os dois filhos deles estavam vendo desenhos animados na TV e ele disse: “Não sei que graça é que vocês acham a isso!” Não era pessoa capaz de ler um livro, de ver um filme, só lia uma página dos jornais: a da Necrologia, que eu achava estranho, pois ele ainda não conhecia ninguém naquela cidade! Era engraçado porque ele começava pela última página, parava na Necrologia e lia tudo. Depois fechava o jornal e pronto, estava concluída a leitura.
Veio tudo isto a propósito de uma discussão amigável que tive ontem sobre o poder das palavras. Falámos sobre o que elas são capazes: de enganar, de magoar, de seduzir, de acariciar, de convencer, de conter vários significados, de estar na moda, de desaparecer durante muito tempo, para renascer já com pequenas modificações, mostrando que ainda estão vivas.
Reflectimos sobre as pessoas que conseguem dominar bem o uso das palavras, e como elas podem ter enorme poder e usá-lo como quiser, para o bem e para o mal. Mas depende da habilidade com que são usadas, porque tanto podem ajudar-nos como atraiçoar-nos.
Quando uma palavra fere sensibilidades, basta substituí-la por outra ou por duas ou três, que já é aceite sem melindre. Certamente se lembram da polémica sobre a legalização do aborto e da mudança para a expressão mais aceitável, interrupção voluntária da gravidez. Outra expressão é o suicídio medicamente assistido ou morte medicamente assistida quando antes só se falava de eutanásia.
Em algumas profissões, como a Publicidade, por exemplo , saber jogar com as palavras é fundamental, eles usam frases curtas que dizem tudo, ao contrário dos políticos em que as frases são grandes e não dizem nada.
Eu acho que as palavras só por si mesmas têm um potencial enorme, mas é muito útil conhecer de onde elas vêm e quem as pronuncia. Só assim é possível descodificá-las e decidir o que elas realmente valem.
Até à próxima.
Créditos da Foto:sergis blog
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